No contexto do Web2, as redes sociais giram em torno de plataformas centralizadas, com dados dos usuários presos em ecossistemas fechados, algoritmos de recomendação sob controle das grandes corporações e identidades atreladas a contas dessas plataformas. O Web3, por sua vez, propõe uma infraestrutura social aberta, componível e com soberania do usuário como prioridade. A viabilidade dessa proposta depende do grau real de descentralização da arquitetura fundamental.
O consenso do setor aponta que a estrutura dos protocolos sociais descentralizados se apoia em três pilares: sistema de identidade (Account / ID), armazenamento de dados (Storage) e mecanismos de busca e recomendação (Search & Recommendation). Esses pilares determinam conjuntamente o nível de descentralização do protocolo e influenciam de forma decisiva sua evolução a longo prazo.
Neste artigo, analisamos detalhadamente o papel de cada um desses três pilares, revisamos os avanços já conquistados nos níveis de identidade e armazenamento e demonstramos por que o mecanismo de busca e recomendação é o fator crítico para o potencial de crescimento dos protocolos sociais do futuro.
Nas redes sociais Web2, a identidade do usuário é concedida pela plataforma (ex: nome de usuário do Twitter, ID do WeChat), sem portabilidade entre plataformas e sujeita a bloqueio a qualquer momento. Esse modelo de “identidade alugada” retira do usuário o controle sobre sua identidade digital.
No Web3, busca-se a Identidade Autossoberana (Self-Sovereign Identity, SSI), em que o usuário tem domínio total sobre sua identidade: criação, gestão, verificação e migração. Exemplos notáveis incluem ENS (Ethereum Name Service), NFT de Perfil do Lens Protocol e a arquitetura Custódia + Assinante do Farcaster. Essas soluções, baseadas em chaves criptográficas, registros em blockchain ou identidade em NFT, desvinculam a identidade do usuário do controle de uma única plataforma.
Grau de descentralização: identidade verificável, portável, imutável e criada sem necessidade de permissão. Impacto evolutivo: sistemas de identidade robustos permitem o reaproveitamento de gráficos sociais entre diferentes aplicações, fomentando a componibilidade social e acelerando o efeito de rede.
No Web2, o conteúdo gerado pelo usuário (UGC - conteúdo gerado pelo usuário) é centralizado em servidores privados, impedindo o real controle do usuário sobre seus dados. O Web3 coloca a propriedade dos dados nas mãos do usuário, cabendo ao protocolo apenas fornecer as interfaces de leitura e escrita.
Soluções como IPFS, Arweave e Ceramic Network permitem que conteúdos sociais (posts, comentários, conexões) sejam armazenados de forma duradoura e resistente à censura, referenciados por DIDs (Identificadores Descentralizados) ou ponteiros on-chain (em blockchain). Por exemplo, o Lens Protocol armazena metadados de posts no IPFS, com registro do Identificador de Conteúdo (CID) em smart contracts; o Farcaster utiliza árvores de Merkle para ancorar mensagens na blockchain, com dados distribuídos em armazenamento descentralizado.
Grau de descentralização: dados auditáveis, portáveis, resistentes à censura, com possibilidade de exclusão ou transferência pelo próprio usuário. Impacto evolutivo: uma camada de dados aberta estimula o surgimento de clientes, ferramentas analíticas e aplicações derivadas de terceiros, consolidando o modelo “protocolo + ecossistema” em vez do monopólio de plataformas.
Mesmo com identidades descentralizadas e dados abertos, se os usuários não puderem descobrir conteúdos e se conectar de forma eficiente, o protocolo permanecerá inerte — com infraestrutura, mas sem ecossistema ativo. O diferencial das plataformas Web2 está nos algoritmos de recomendação personalizada (como o algoritmo de recomendação do TikTok ou o feed Para Você do Twitter).
No Web3, busca e recomendação enfrentam dois grandes desafios:
Assim, o design do mecanismo de busca e descoberta determina diretamente:
Grau de descentralização: algoritmos de recomendação transparentes, auditáveis, customizáveis e competitivos (com múltiplos algoritmos de recomendação coexistindo). Impacto evolutivo: define se o protocolo pode deixar de ser “ferramenta restrita a entusiastas” e conquistar o público de massa, sendo o ponto de virada para a escala.
No início do Web3, a identidade era apenas um endereço hexadecimal de carteira (ex: 0xAbC…), o que resultava em péssima experiência para o usuário. Nos últimos anos, houve avanços relevantes:
Essas soluções impulsionam a identidade de “endereços anônimos” para entidades sociais verificáveis, componíveis e confiáveis.
Nos últimos anos, a maturidade das soluções de armazenamento descentralizado evoluiu consideravelmente:
O usuário passa a ter propriedade real sobre seus dados, graças a essas infraestruturas.
Apesar dos avanços em identidade e armazenamento, busca e descoberta ainda representam o maior desafio das redes sociais Web3. Eis os principais motivos:
Usuários Web2 já se habituaram a recomendações altamente personalizadas. A maioria dos aplicativos sociais Web3 ainda se limita a linhas do tempo em ordem cronológica ou rankings de popularidade, sem personalização avançada, o que resulta em baixa retenção.
O setor explora diferentes caminhos inovadores:
Protocolos descentralizados de indexação: como The Graph ampliando o suporte a fluxos de dados Ceramic e o Airstack
criando APIs unificadas de identidade e gráficos sociais.
Algoritmos de recomendação plugáveis: usuários podem escolher diferentes algoritmos (por interesse, localização, membros de DAO), como plugins de navegador.
IA + Prova de conhecimento zero: uso de ZK para recomendações personalizadas com privacidade (ex: zkML).
O ponto central: o vencedor do futuro não será necessariamente “o melhor protocolo”, mas “o protocolo com o melhor mecanismo de descoberta”. Apenas garantindo que o usuário encontre conteúdo relevante de forma contínua é possível criar ciclos positivos de engajamento e impulsionar o efeito de rede de maneira exponencial.
O êxito dos protocolos sociais descentralizados não depende de um único avanço tecnológico, mas da evolução integrada dos três pilares: identidade, armazenamento e descoberta:
Hoje, os dois primeiros já se consolidaram, enquanto o terceiro permanece como área ainda não desenvolvida. Por isso, mecanismos de busca e recomendação serão o foco principal da próxima onda de inovação social Web3. Quem construir primeiro um mecanismo de descoberta descentralizado e eficiente poderá replicar — ou até superar — o crescimento dos gigantes sociais do Web2, inaugurando uma nova era de redes abertas e centradas no usuário.





